sábado, 19 de dezembro de 2009

Chauffeurs de Currais Novos (1940)


Chico Casimiro, [desconhecido], João Pacheco, Manuel Procópio, Chico Procópio, Otávio, Severino, José da Ponte, Roldão e Sólon Mamede [Em pé]
José Alves, Euclides, Fortuna, Josafá Mamede, João Batista, Ernesto Cunha, Joaquim Moura, Antônio Mandú e João Alves [Agachados]

Torna-se extremamente difícil emitir qualquer manifestação do pensamento após ler um texto do Mestre Câmara Cascudo. Sua verve literária nos dá a sensação de ocupar todas as possíveis lacunas do que há de ser ou deveria ser escrito.
Portanto, segue um texto escrito pelo Mestre Cascudo no jornal A República em 24 de outubro de 1959. Este texto resume em si todas as nossas possíveis palavras.
Em anexo, uma imagem do fotógrafo Raimundo Bezerra que transcrevia magistralmente o tempo em luz.


SUA EXCELENCIA O CHAUFFEUR

Luís da Câmara Cascudo

A intensidade da vida contemporânea está revelando em certas profissões os ângulos de projeção social inteiramente imprevistos. Já tenho teimado em dizer que todas as ocupações funcionais têm mais de uma dimensão e sacodem influências insuspeitadas para muitos campos da coletividade.

Um dos encargos mais decisivos e típicos é do CHAUFFEUR.

De condição humilde, alguns apenas alfabetizados e destituídos de qualquer rudimento de educação, outros de famílias tradicionais que empobreceram mas se mantém estudiosos, alertas, observadores, excelentes no trato social, a”classe” possui, como todas as classes humanas, os tipos variados do temperamento, inteligência e maneiras.

Apenas muita gente não percebe que o CHAUFFEUR é o mais vivo e poderoso elemento de aproximação, vencedor normal e modesto das distâncias inter-urbanas na simplicidade das horas cotidianas.

É o CHAUFFEUR o revelado da Cidade, aquele que a apresenta e mostra ao visitante, dizendo-lhe as belezas, as sugestões, os encantamentos. É o informador, o confidente, o companheiro, o amigo das horas angustiadas em que é preciso a parteira, o médico, o padre.

Seu santo é São Cristovão que transportou Jesus Cristo. O CHAUFFEUR transporta os filhos de Adão na diuturnidade de seus problemas, sonhos e esperanças. Vence, na limitação da Cidade, o tempo e o espaço. Nas praças silenciosas, a noite inteira, velam esperando o momento de servir. São uma espécie de Pronto Socorro, de vigilância prestante, de colaboradores anônimos.

Não sabem o destino moral do “passageiro” apressado e desconhecido mas o levam ao horizonte de sua vontade.

De um bom ou mau CHAUFFEUR depende, às vezes, a boa ou má impressão de uma cidade percorrida, Só ele sabe mostrar, explicar, esclarecer, a paisagem cresce, valorizada pela emoção; se nada surgir, CHAUFFEUR calado é mau-humorado, a corrida é uma velocidade monótona entre casas sem fisionomias.

Por isso, o CHAUFFEUR deve saber informar, dirigir o automóvel e a curiosidade do passageiro. É seu papel em todo o Mundo.

Seria aconselhável a existência de um indicador fácil e cômodo que facilitasse ao CHAUFFEUR o material de suas notícias. Ou que cada um deles possuísse, como seus colegas do Rio de Janeiro, de S. Paulo, de Belo Horizonte ou de Porto Alegre, um exemplar do GUIA DA CIDADE, para poder dizer ao se “passageiro” onde a Cidade foi fundada, qual é a mais antiga rua e o mais antigo edifício, a origem dos nomes dos bairros e dos logradouros mais tradicionais, enfim um pequenino resumo da História, em poucas palavras mas não podendo ser inventado e substituído pela imaginação.

Para a vibração das nossas horas atuais é o automóvel o símbolo mais próximo da comunicação e da mobilidade. O CHAUFFEUR, que até 1900, em Paris queria apenas dizer FOGUISTA, passou a ser PILOTO DO AUTOMÓVEL porque o “motorista” é aquele que cuida do motor e não que o dirige. É um dos servidores mais imediatos, uma das articulações mais instantâneas entre os interesses e necessidade da hora comum. Oswald Spengler dizia que estamos no SÉCULO DOS CHAUFFEUR. Não é possível dispensarmo-nos de sua colaboração. Daí a importância diária e natural, inteira e real do CHAUFFEUR, seu papel na missão moderna e a exigência de compreendermos que não está ali apenas um homem com a mão no volante mas um criatura humana cumprindo encargo indispensável e urgente para conservação do nível técnico da nossa vida atual.

Naturalmente, SUA EXCELÊNCIA O CHAUFFEUR, na sua missão social de aproximador, de rápido professor de viajantes e de curiosos, tem os deveres de sua função, a cortesia, a polidez do trato, a higiene do traje e do vocabulário, sabendo que está não apenas ganhando a vida mas servindo sua cidade e ajudando o futuro de todo aquele aglomerado de casario e de criaturas.

Sossegue leitor. Não sou candidato a coisa alguma no campo eleitoral. SUA EXCELÊNCIA O CHAUFFEUR pode votar em quem quiser. Nanja eu que lhe peça votos. Mas, pela força da vontade, bem merece a classe uma palavra de estímulo e de simpatia...

TEXTO PERTENCENTE AO ACERVO DOCUMENTAL DO "INSTITUTO LUDOVICUS".

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